Rússia realiza operação militar contra a Ucrânia e multiplica incertezas
A Rússia iniciou um processo de invasão à Ucrânia. O Presidente Vladimir Putin mencionou o objetivo de “desmilitarizar” o país, mas não de ocupá-lo. A incursão na região foi condenada na maior parte do mundo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Os governos ocidentais começam a anunciar sanções mais severas contra a Rússia. Isto posto, não há expectativa de ações militares diretas dos EUA e da OTAN.
Os últimos eventos têm potencial para gerar impactos econômicos relevantes no mundo e no Brasil
O impacto econômico mais direto ocorre sobre os preços internacionais das commodities. Rússia e Ucrânia são produtores importantes de commodities energéticas (petróleo, gás), agrícolas (milho, trigo) e fertilizantes. Os custos desses produtos, que já vinham subindo significativamente por conta dos efeitos da pandemia, recebem (forte) impulso adicional com a ação militar russa.
No centro das atenções, a Rússia é o 3º maior produtor de petróleo e o 2º maior produtor de gás no mundo (em relação ao último, a oferta do país responde por cerca de 40% do consumo na Europa). Com a escalada da tensão geopolítica, os preços de petróleo e gás apresentam pressão altista ainda mais significativa. Vale lembrar que o quadro de oferta e demanda da commodity já estava bastante apertado antes da incursão militar na Ucrânia, com níveis de estoques reduzidos ao redor do mundo. A menos que a OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados) e os Estados Unidos aumentam a oferta de forma pronunciada, devemos observar preços de commodities energéticas em elevação no curto/médio prazo. Eventual acordo nuclear do Irã com a comunidade internacional poderia proporcionar um breve alívio sobre os preços.
Tendo em vista as commodities agrícolas em preços historicamente altos e preocupações com o aumento dos custos de fertilizantes, os últimos acontecimentos chegam em um momento muito sensível para o setor primário. Rússia e Ucrânia respondem conjuntamente por 17% das exportações mundiais de milho e 28% das exportações de trigo, elementos suficientes para justificar a alta dos preços futuros dessas commodities, com efeitos indiretos sobre os preços de soja, óleos vegetais, entre outros.
Crise pode levar à “estagflação” global
Se os efeitos da crise nos mercados de commodities persistirem, inflação global tende a acelerar nos próximos meses. O impacto sobre a atividade econômica, por sua vez, é negativo não apenas pela incerteza gerada pelo risco de guerra (piora das condições financeiras) como pelas sanções econômicas impostas pelos países ocidentais. Uma dúvida importante reside na reação dos bancos centrais. A tendência de alta de juros pode ser amenizada pela piora da cena geopolítica, mas não deve ser revertida, uma vez que a inflação continuará a subir.
Em linhas gerais, o mundo pode entrar em “estagflação”: inflação em alta, atividade em baixa. A referência história é a década de 70, quando o mundo enfrentou os “choques do petróleo”. É um cenário ruim para ativos ligados à atividade econômica, como a bolsa.
No Brasil, podemos ver intensificação de movimentos que já vinham ocorrendo pelos efeitos da pandemia
A inflação no Brasil já se mostra um problema mesmo antes da crise na Ucrânia. O IPCA-15 de fevereiro mostrou que a inflação segue rodando acima de 10%. Neste sentido, a alta das commodities gerada pela ação militar da Rússia representa uma rodada adicional de pressão de produção, retardando a desinflação que esperávamos para o restante deste ano.
Nossa projeção de 5,2% para o IPCA deste ano, que já tinha um viés de alta, teria definitivamente que ser revista, para algo entre 5,5 e 6%.
De fato, o gráfico logo abaixo mostra que os preços de commodities são historicamente correlacionados com a inflação brasileira. A tabela, por sua vez, fornece algumas estimativas de sensibilidade por classe de commodity (agrícolas, metálicas e petróleo). As mais relevantes são as agrícolas, pelo seu impacto em toda a cadeia de alimentos.
Se os efeitos da crise da Ucrânia forem duradouros, o Banco Central do Brasil (BCB) terá que aceitar a inflação acima da meta em 2022 e provavelmente também em 2023. Não acreditamos que a crise levará o BCB a elevar os juros para além da nossa projeção de 12,75% em junho, que já é bastante elevada. Mas ele pode ser forçado a manter este nível elevado por mais tempo, para garantir que o IPCA convirja para a meta de 3,00% até 2024.
A alta de preços tende a corroer a renda do consumidor, tornando mais desafiadoras as perspectivas para o consumo no Brasil, que já enfrenta um quadro de juros mais elevados e piora das condições de crédito. Desta forma, a crise ucraniana reforça nosso cenário de estabilidade do PIB em 2022.
A dinâmica para a taxa de câmbio é incerta: por um lado, a alta das commodities e o fluxo de recursos que saem da Rússia para outros emergentes sugerem que a tendência de valorização das últimas semanas pode continuar. Por outro, a ação militar gera uma aversão ao risco global, pressionado ativos de risco (sobretudo de emergentes), tais como a taxa de câmbio. O mais provável, em nossa visão, é que variável continue em torno dos patamares atuais, todavia com volatilidade potencialmente bem maior.
Nós vamos monitorar de perto os próximos movimentos geopolíticos e de mercado, a fim de calibrar as projeções macroeconômicas. Publicaremos um cenário revisado em nosso relatório Brasil Macro Mensal, a ser divulgado em 8 de março.
Fonte: Expert XP